O boletim ACCPR em Foco é um espaço reservado na área de notícias dos portais da entidade e do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRCPR) para divulgar notícias, entrevistas, artigos e eventos dessa entidade que, além de promover o desenvolvimento e a valorização da profissão contábil, fomenta a pesquisa e a atualização dos profissionais da área.
"A multiplicidade de significados e/ou sentidos admitidos pelas palavras numa
língua pode se manifestar em, pelo menos, duas maneiras: por homonímia ou
polissemia. Enquanto na homonímia uma mesma palavra, pelo menos
aparentemente, pode assumir diferentes significados, esses não mantêm entre si
qualquer tipo de relacionamento semântico, por exemplo: manga - fruta, ou manga
- peça de camisa; banco - instituição financeira, ou banco - móvel para sentar-se;
quadrado - ultrapassado; quadrado - forma geométrica. Como podemos observar,
as formas da escrita são idênticas (homônimos perfeitos), mas as origens são
distintas e apresentam dois sentidos bem diferentes entre si.
Por outro lado, temos a polissemia, que ocorre quando os possíveis sentidos da palavra ambígua têm alguma relação entre si, como podemos demonstrar no caso do item lexical "pé", que pode designar pé de cadeira, pé de mesa, pé de fruta e pé de página, dentre outros significados. Nesses casos, utilizou-se a mesma palavra, mas que provoca sentidos muito diferentes entre si.
Percebendo que esse fenômeno é muito presente inclusive no cotidiano das
pessoas, é que decidimos analisá-lo neste opúsculo, com o objetivo de discutir a
questão da ambiguidade constatada nos últimos tempos, principalmente nos
debates políticos no Congresso Nacional e de alguns ministros de Estado, ao se
referirem aos termos Despesas, Gastos e Investimentos na proposta de orçamento
federal. Esclarecemos que não temos a pretensão de esgotar o assunto, ou
aprofundar em detalhes esta discussão, mas sim, apenas chamar a atenção para
a importância de se conhecer os princípios que regem a terminologia de
especialidades, neste caso, da Contabilidade.
Podemos afirmar que a ambiguidade é menos existente para quem produz o discurso, até por quê, em muitas vezes, quem fala, tem bem claro em sua mente o que deseja expressar e pode escolher o significado do que está falando. Do ponto de vista do produtor do discurso e/ou texto, a ambiguidade lexical tem sido tratada como algo que deve ser evitado para que a clareza do texto não seja prejudicada.
Em muitas situações, a ambiguidade lexical é usada propositadamente em discursos políticos, religiosos ou ainda na literatura. Ao percebermos essa possibilidade de uso de mais de um significado, podemos afirmar que a ambiguidade pode ser acidental, intencional ou interlinguística. É interessante quando se analisa o processo decisório do ponto de vista da gestão, contudo, o que muitas vezes não se observa é o aspecto linguístico que está sob o contexto de formação da informação.
O controle e a gestão pública, incluindo os balanços públicos, possuem características próprias de apresentação. Além disso, o processo contábil das entidades públicas é estruturado em sistemas específicos, como o Sistema Orçamentário, Financeiro e Patrimonial, entre outros complementares. Cada um desses sistemas reflete um resultado baseado na movimentação de suas respectivas contas, gerando diferentes resultados e perspectivas de análise.
O processo de gestão dos recursos públicos no Brasil se realiza por meio de
um conjunto de instrumentos que se complementam, cumprindo determinações
legais para sua elaboração. Dentre eles, citamos para efeito desta discussão, a
proposta de Lei do Orçamento Anual. Vejamos alguns pontos para debate.
Segundo alguns discursos de políticos, os valores a serem usados para custeio da Educação não são despesas, conforme define o orçamento, mas investimentos, sem considerar que esta é a nomenclatura oficial a ser utilizada. Nestes casos, a própria Lei 4.320/64 faz as devidas classificações, por exemplo, para investimentos são as dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro. Como se observa, existe sim o termo "investimentos", mas com uma finalidade específica, que não é o custeio das atividades correntes, termos também com sua finalidade.
Ao analisar o termo "despesas" na formação do orçamento, e ligando aos
discursos políticos, podemos entender que os valores criticados por eles dizem
respeito aos gastos de custeio/manutenção da atividade de Educação. Não existe
outra forma de classificar esses desembolsos do ponto de vista da legislação.
Evidente que o termo despesas no setor público é diferente daquele definido para
o setor privado.
Na contabilidade empresarial, "despesas" são bens ou serviços consumidos
direta ou indiretamente para a obtenção de receitas. Como pode ser entendido
nesta afirmação, a despesa tem como característica representar sacrifícios no
processo de obtenção de receitas, são, portanto, itens redutores do patrimônio
líquido. Então, toda movimentação de produtos ou serviços numa empresa gera
despesas, e consequentemente, toda despesa é, ou foi, um gasto. Ainda, podemos
considerar que a diferença entre despesas públicas e privadas reside no aspecto que o setor público não gera receitas, para consolidar a definição do setor privado.
No senso comum, entende-se por gasto qualquer desembolso de recursos
(dinheiro) que se faz, quer por uma pessoa física ou jurídica. Segundo o dicionário
Aurélio (2010), este termo se classifica como um substantivo masculino e também
pode ser empregado como um adjetivo de algo que se gastou ou que já foi usado.
É normal ouvir a expressão que um determinado equipamento está gasto (adjetivo).
Observe que este conceito é extremamente amplo e que se aplica a todos
os bens e serviços adquiridos, assim, temos gastos com a compra de matérias-primas, gastos com mão de obra na produção ou mesmo na distribuição, gastos
com honorários da diretoria, gastos na compra de um imobilizado etc. Só existe
gasto no ato da passagem para a propriedade da empresa, do bem ou serviço, no
momento em que existe o reconhecimento contábil da dívida assumida ou da
redução do ativo dado em pagamento.
No cotidiano das pessoas, é comum utilizar este termo em relação a uma
despesa que se efetuou, ou ainda, no desembolso de qualquer recurso para
aquisição de um bem ou serviço.
Diante do exposto, podemos constatar que os referidos políticos, no uso de
termos ambíguos, sabem sim qual o significado que têm cada um, apenas utilizam
dos discursos para “confundir” mais do que esclarecer, literalmente jogando para a
plateia decidir o melhor entendimento, considerando o modus operandi dos antigos
sofistas na divulgação dos ideais políticos dos reinados e imperadores."
Artigo por Elias Garcia
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