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Fonte: Rita Azevedo - Valor Econômico

Uma mudança em âmbito internacional na apresentação de resultados das empresas, que pretende diminuir a distância entre as regras contábeis e os indicadores gerenciais usados por administradores e pelo mercado financeiro, pode trazer de volta as discussões sobre uma reforma da Lei das Sociedades por Ações, que foi modificada, pela última vez, há mais de uma década.

Desde 2010, as companhias brasileiras seguem as chamadas normas internacionais de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês), que substituíram os padrões brasileiros, parte integrante da Lei das S.A., aprovada em 1976. As normas internacionais, adotadas em outros 143 países, são emitidas pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), uma entidade privada com sede em Londres.

Uma audiência pública está em andamento para aproximar a contabilidade dos indicadores gerenciais

Até o fim do mês, o Iasb recebe comentários sobre uma proposta de reforma na maneira como os resultados - receitas, lucros e prejuízos - devem ser apresentados. O plano foi bem-recebido no Brasil por entidades de mercado e especialistas em contabilidade.

A expectativa é que a adoção das mudanças não seja tão problemática para as companhias - já que parte do que está sendo proposto pelo Iasb é aplicado no país, ou porque já estava na lei brasileira ou porque foi implementado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal que regula o mercado de capitais. O que preocupa é o fato de se ter que alterar a lei toda vez que o Iasb propuser ajustes, o que demanda tempo e negociações políticas.

Uma das propostas colocadas em audiência pelo Iasb é a de que as empresas apresentem uma análise das despesas operacionais utilizando o método que ofereça as melhores informações aos investidores. Há duas opções: por natureza, que mostra a origem dos custos, como matéria-prima, depreciação e benefícios pagos a empregados, e por função, que cataloga as despesas de acordo com a sua finalidade para empresa, como vendas e pesquisa e desenvolvimento.

A ideia do Iasb é que a escolha não seja livre, mas sim baseada em critérios determinados, e que as empresas não misturem os dois métodos - o que dificultaria a análise dos investidores.

Além disso, as exigências para as empresas que apresentarem as despesas por função serão maiores, uma vez que, nesse caso, será necessário o detalhamento das despesas por natureza nas notas explicativas que acompanham as demonstrações financeiras.

“Alguns investidores disseram que precisam de informações sobre a natureza das despesas operacionais de todas as companhias, uma vez que despesas por natureza são mais fáceis de ser projetadas do que as por função”, diz a proposta do Iasb.

A grande questão, diz Idésio Coelho, vice-presidente técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), é que a Lei das S.A. prevê que as despesas sejam apresentadas pelo método de função. O artigo 187 da lei diz que a demonstração do resultado discriminará, entre outros pontos, as despesas com as vendas, as despesas financeiras, deduzidas das receitas, as despesas gerais e administrativas e outras despesas operacionais.

“Como no Brasil as empresas fazem essa análise por função, elas terão custo adicional não só para divulgar, mas também para controlar as duas metodologias”, diz Coelho. “Gostaríamos de ter a opção de escolha do método, sem a necessidade da nota explicativa sobre as despesas por natureza. Não acho justo a imposição de uma metodologia específica.”

Valdir Coscodai, diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), acredita que mudar a lei para a adequação às novas normas não será uma tarefa difícil. “O que precisamos é começar a discutir desde já o tema. Se o mercado inteiro - reguladores, normatizadores, profissionais da área, analistas e investidores -, quiser mudar, isso vai ocorrer.”

A expectativa do Iasb é que as normas entrem em vigor em 2023 ou 2024. O prazo, segundo Eduardo Lucano, presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), pode ser pequeno, considerando que uma possível mudança na legislação é um processo “delicado, difícil e não controlado”. “Vamos solicitar ao Iasb que o prazo para implantação das normas seja mais longo no Brasil”, diz Lucano.

Eliseu Martins, professor emérito da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a solução para o conflito deve ser definitiva, com exclusão da parte contábil da Lei das S.A. “Não dá para editar a lei toda vez que uma nova norma do Iasb for aprovada”, diz. A proposta de retirar a contabilidade da lei já foi discutida no passado, mas acabou não entrando nas revisões da lei feitas em 2007 e 2009, que visavam, justamente, a convergência das regras das empresas brasileiras aos padrões internacionais.

Questionada sobre a participação nas discussões das propostas do Iasb e sobre o potencial conflito das novas normas com a legislação brasileira, a CVM disse em nota que “vem acompanhando e participando ativamente” e que, no momento, não fará comentários adicionais sobre o tema.

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