Artigo do presidente do CRCPR, Everson Breda Carlin
Já faz muito anos que a classe contábil brasileira comemorou efusivamente o que na época se chamou de uma grande conquista: o advento da implantação do Exame de Suficiência, cuja aprovação credenciava o contador ou o técnico em contabilidade a fazer o seu registro em Conselho Regional de Contabilidade (CRC) e, portanto, exercer legalmente a profissão.
Nos primórdios dessa dita conquista, o exame tinha sido criado por resolução, e não por lei. Não demorou muito, portanto, a ser questionado judicialmente e, por consequência, a ter nessa sua primeira etapa vida curta. Depois, com a criação de legislação apropriada, que o dotava de legitimidade, o Exame voltou “com força”, e passou a ser parte integrante, em definitivo, das exigências para o registro nos CRCs. Houve evoluções, marchas e contramarchas, até chegarmos ao status atual, quando o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), nave mãe do Sistema CFC/CRCs, passou a contratar empresa especializada para a organização de todo o processo do certame.
Nossa
profissão se orgulha – ou deveria se orgulhar – de ser uma das poucas que, além
de exigir a formação acadêmica, conta ainda com esse verdadeiro filtro para
evitar que o mercado de trabalho seja franqueado a “profissionais”
despreparados para exercer a nobre missão de contabilista. Tudo
isso em nome da valorização da classe e, é claro, da proteção da sociedade –
uma das missões institucionais mais nobres das entidades do Sistema CFC/CRCs.
O tempo é o senhor da razão e o mundo gira – mudando cenários, certezas, convicções, necessidades e, na maioria das vezes, exigindo ajustes em nossos procedimentos para que as conquistas e vitórias do passado continuem sendo conquistas e vitórias mesmo, e não fardos problemáticos. O Exame de Suficiência trouxe à tona, desde seu início, uma realidade que estava – digamos – “embaixo do tapete” do nosso mundo contábil. A qualidade de ensino questionável, somada a outra série de fatores, resultou num alarmante índice de reprovação no certame e, de exame de suficiência, passamos a ter uma constatação grave de insuficiência: Nesta última edição, a média nacional de aprovação foi de apenas 12,06%, pasmem!
Ao sabor da rigorosidade para mais ou para menos de uma edição do exame para outra – muita gente ficou impedida de se registrar nos CRCs. No início, pouca atenção se deu ao fato e o exame seguiu cumprindo o seu papel de filtro. Mas já faz algum tempo que o mercado começou a sentir os efeitos colaterais dessa “filtragem” e que a falta de profissionais disponíveis para exercer funções contábeis de forma legal, ou seja, com registro no CRC, começou a povoar as conversas na classe contábil e ser objeto de suas preocupações.
A última edição de 2024 nos trouxe uma situação deveras mais grave do que se esperava. Índices raquíticos de aprovação, com média nacional como citei acima, de minúsculos 12%, escancaram uma realidade mais do que temerária: de um lado, um mercado praticamente operando na base do pleno emprego e com necessidade urgente de mais profissionais, para repor os que saem da profissão e para dar suporte ao crescimento do país. De outro, descortina-se de vez a preocupação com a qualidade do ensino em nosso país. Não estamos generalizando, por óbvio, porque existem “ilhas” de ensino de qualidade, mas em linhas gerais, o nível se apresenta abaixo da crítica.
"E agora José?" Qual a solução? O “filtro” conquistado com honras e glórias, agora aparece como um entrave para a classe, pois a falta de reposição de profissionais no mercado atinge números alarmantes, principalmente em cidades pequenas, onde escritórios de contabilidade estão tendo dificuldades enormes de mão de obra. Tivemos estados em que o percentual de aprovação foi de apenas 6%, ou seja: de cada 100 postulantes a contador, 94 foram “barrados no baile”, e barrados de forma justa, pelas regras atuais.
O que vai acontecer? O mercado tem a tendência de se ajustar às dificuldades e obstáculos, isso é certeza. Mas como vai se desincumbir desse “imbróglio”? As Instituições de Ensino Superior (IES) vão finalmente se aprimorar em sua missão de formar com qualidade novos bacharéis? O dito filtro vai ter que perder um pouco do poder de filtragem? O mercado, já em desespero, vai absorver os pretensos profissionais, mesmo sem registro (o que é ilegal)? Ou algum milagre está por vir?
O assunto é por demais polêmico, e há que ser tratado com a seriedade que merece e com a amplitude necessária, para que todos os envolvidos sejam alvos de uma análise holística do CFC, que mantém uma comissão de altíssimo nível para assuntos do Exame de Suficiência, e que certamente saberá tomar as providências que se fazem necessárias. E isso não pode demorar!
Quem viver verá!!!
Everson Breda Carlin
Presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná
Reprodução permitida, desde que citada a fonte.