Decisões do STJ podem prejudicar milhares de brasileiros
Muitas decisões judiciais proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, nos últimos anos, vêm norteando para o desmantelamento dos poderes conferidos às ações civis públicas no direito brasileiro. Muitos poupadores que reclamam diferenças dos planos Bresser e Verão podem ser prejudicados; e além desses, milhares de brasileiros que fazem parte de ações coletivas ligadas ao direito do consumidor, meio ambiente, e outras áreas. São mais de mil ações tramitando no país.
“Essas decisões judiciais, questionáveis do ponto de vista doutrinário e legal, são violações diretas aos interesses dos cidadãos, especialmente porque contrárias à legislação constitucional, afetando a coisa julgada, o princípio da irretroatividade das leis, a defesa do consumidor, e servindo unicamente ao interesse de grandes grupos econômicos”, afirma Alexandre Salles Gonçalves, advogado do Instituto Brasileiro de Proteção à Defesa do Consumidor – IPDC.
Entre meados de 2007 e início de 2009, diversas instituições de proteção ao consumidor, defensorias públicas, representantes do MP, ingressaram com ações coletivas, pleiteando fossem reconhecidas as diferenças dos planos Bresser e Verão.
A jurisprudência favorável aos consumidores, bem como o prazo prescricional destas ações – 20 anos – estavam consolidados nas decisões de todos os tribunais brasileiros, inclusive o STJ. Agora, porém, de forma abrupta, a 4ª Turma do STJ proferiu decisão, passando a considerar que o prazo para ingresso destas ações seria de cinco anos. Reconhece inclusive a ministra Nancy Andrighi que só é possível o reconhecimento da prescrição quando não há, no direito, outro prazo a ser observado. Decisão semelhante emitiu a ministra Eliana Calmon, segundo a qual, dependendo de certos direitos envolvidos, sequer pode-se cogitar da existência da prescrição. “Em matéria de prescrição, cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental”, disse ela.
A solução diversa dada à ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores lesados, por sua simples natureza coletiva, aplicando a analogia em prejuízo dos substituídos, implica ofensa aos princípios da isonomia e da segurança jurídica, ressalta o advogado Arnaldo de Oliveira Júnior, que também lida com a temática. Esta porém foi a posição adotada pela 4ª Turma do STJ, desobrigando os bancos de pagar valores originados de cerca de 1.015 ações coletivas ajuizadas em todo Brasil.
Depois da confirmação da recente decisão surgiram diversos outros recursos pleiteando o reconhecimento da prescrição qüinqüenal das ações civis públicas, bem como de aplicação deste “novo prazo” fixado pela jurisprudência do STJ, de forma indistinta a todas as Ações Civis Públicas, inclusive nas execuções das ações civis públicas transitadas em julgado, explica Alexandre. “Noutras palavras, a decisão que beneficiou diretamente os bancos, passou a ser utilizada por outros grupos econômicos, criando-se um prazo que a lei não determina. Em resumo, o STJ criou uma nova “legislação” sobre a prescrição da ação civil pública, inclusive para ser utilizada de forma conveniente mesmo quando a legislação civil (direito material) prevê outros prazos prescricionais. Evidentemente que a decisão extrapola inclusive a independência e necessária separação dos poderes, pois o Judiciário passa a criar legislação – inclusive com efeitos retroativos – o que seria vedado pela própria constituição”, acrescenta Alexandre.
Importante destacar que tanto o TJ/PR como o TRF4ª Região, de forma unânime, decidiram que o prazo de prescrição da execução era aquele definido no julgamento da ação (como sendo vintenário) e não poderia ser alterado na execução do julgado sob pena de afronta à Constituição Federal. Apesar de o ministro Sidnei Benetti ter decidido pela suspensão de todos os recursos sobre a matéria que versava sobre a prescrição da execução dessas ações, uma semana depois o ministro Luís Felipe Salomão levou a julgamento dois processos contra a CEF.
“Estranha-se a pressa para levar a matéria a julgamento pela 4ª Turma, especialmente porque o ministro Sidnei Benetti já havia determinado a suspensão de todos os recursos para que fossem decididos pela 2ª Seção”, comenta Arnaldo. “O mais estranho, no entanto, foi o julgamento ignorando a existência da coisa julgada sobre a matéria, dando provimento à tese de prescrição da execução em cinco anos”.
Sublinham os advogados que este precedente viola de forma direta a Constituição, estabelecendo prazo onde outro já havia sido definido e transitado em julgado. “Isto porque, conforme jurisprudência pacífica do próprio STJ, a análise de prazo prescricional no julgamento da ação faz coisa julgada, não podendo ser alterado na execução (tão somente em ação rescisória, cujo prazo já decorreu há anos)”, argumenta Arnaldo.
No julgamento de todas as ações da Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO – contra o BB, Banestado e CEF – o prazo prescricional foi analisado sendo decidido que a prescrição seria de 20 anos. A adoção agora de novo posicionamento viola a constituição federal para beneficiar os bancos e, consequentemente, outros grupos econômicos. A decisão – se for mantida – desmantela as ações coletivas no direito brasileiro para beneficiar causadores de danos à sociedade, seja na área do direito do consumidor, do direito ambiental ou da fiscalização do poder público, concluem os advogados.