Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu o primeiro alerta de uma nova doença, depois que autoridades chinesas notificaram casos de uma misteriosa pneumonia na cidade de Wuhan. No dia 9 de janeiro, foi anunciado pela OMS que os casos de pneumonia estariam ocorrendo devido a um novo Coronavírus, tipo semelhante ao da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars). No dia 20 de janeiro de 2020, foi comprovado que a transmissão entre pessoas já havia ocorrido e que os diagnósticos fora da China já estavam confirmados no Japão, Coreia do Sul, Tailândia, Taiwan, México e Estados Unidos.
Diante dos casos de mortes na China, o país decidiu suspender a circulação de trens entre as cidades. Alguns países como EUA, Itália, Coreia do Sul, Irã, Turquia, Rússia e Austrália passaram a adotar várias providências em seus aeroportos, incluindo a restrição de entrada de pessoas advindas de alguns desses países. No Brasil, foram confirmados mais de duas dezenas de casos até a data deste alerta.
Esse evento acabou afetando a economia mundial e, certamente, poderá gerar impactos que devem ser refletidos, em alguma extensão, nos demonstrativos contábeis e financeiros das empresas brasileiras e outras espalhadas pelo mundo. Acreditamos que ainda não é possível mensurar os efeitos econômicos decorrentes da propagação do Coronavírus (COVID-19) e das medidas governamentais tomadas para evitá-la, porém, nesse momento, cabe alertar quanto aos cuidados nas divulgações dos impactos, mensuráveis ou não, riscos e incertezas associados com a publicação de informações contábeis e financeiras levantadas em 31 de dezembro de 2019 ou em datas posteriores.
Para auxiliar os profissionais da contabilidade brasileira, ressaltamos que atualmente o Brasil dispõe de algumas normas técnicas que balizam o posicionamento dos profissionais da contabilidade quanto a melhor abordagem. Seguem algumas dentre elas:
Há duas situações que exigem divulgações adicionais para as companhias: uma quando a empresa possuir risco de não continuidade de suas operações em um futuro previsível e/ou quando houver incertezas quanto às estimativas contábeis adotadas.
Os efeitos econômicos decorrentes dos esforços para conter a epidemia podem influenciar os valores justo e recuperável de ativos. O teste de recuperabilidade é requerido quando há indicativo de perda de valor do mesmo, exceto para Goodwill (ágio por expectativa de rentabilidade futura) e ativos intangíveis que são exigidos testes periódicos.
Em função dos impactos gerados no dia a dia das empresas, há um risco de não recebimento de créditos, acarretando no aumento da estimativa de perda de crédito esperada que deve ser, em algum momento e dependendo do caso concreto, reconhecida. Outras situações relacionadas a instrumentos financeiros também podem ocorrer como desvalorização de ações ou fundos mensurados a valor justo.
Algumas situações adicionais são listadas a seguir: alteração na estimativa de contrapartidas variáveis conforme NBC TG 47 – Receita de Contrato com Cliente, alteração do valor realizável líquido de estoques, conforme NBC TG 16; recuperabilidade de tributos diferidos conforme NBC TG 32 – Tributos sobre o Lucro; valor residual e vida útil de ativos reconhecidos de acordo com NBC TG 27 – Ativo Imobilizado e NBC TG 06 – Arrendamentos; além de estimativas de provisões, conforme NBC TG 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.
Cabe ainda um destaque especial para a NBC TG 24, pois após a avaliação dos impactos, pode-se concluir que a maior parte das operações que foram impactadas não foi uma consequência da epidemia, mas um resultado das medidas para contê-la, porém se os impactos forem relevantes, deve-se divulgar tais eventos e as estimativas de seu impacto financeiro ou uma descrição qualitativa de suas situações operacionais subsequentes, a fim de fornecer informações financeiras úteis para seus usuários principais.
A NBC TG 24 determina que os ajustes conhecidos em período subsequente, demandam ajustes em demonstrações contábeis, quando a situação em pauta estiver presente na data de levantamento das demonstrações (em 31 de dezembro, para entidades que tem seu exercício social coincidindo com o ano calendário), mas antes da aprovação e emissão dessas demonstrações. Eventos incorridos em datas subsequentes e conhecidos antes da emissão das demonstrações, se relevantes, devem ser divulgados. Posteriormente, com a passagem do tempo, eventos divulgados como subsequentes, devem, dependendo do caso, ser registrados em demonstrações intermediárias ou anuais posteriores.
Como acima mencionado, o ponto que deve ser observado sobre essa norma é a data do conhecimento dos fatos geradores de incertezas e a data de encerramento das demonstrações. Esse fator irá determinar se os efeitos serão registrados, apenas divulgados em notas explicativas ou ambos.
Destacamos que deve ser realizada uma análise detalhada nas divulgações efetuadas nas demonstrações contábeis. Tal procedimento visa assegurar que as mesmas expressam a situação atual aplicável e o impacto na entidade, de acordo com as circunstâncias e peculiaridades de suas operações.
Auditores independentes
Para os auditores independentes, a NBC TA 560 – Eventos Subsequentes e a NBC TA 540 – Auditoria de Estimativas Contábeis e Divulgações Relacionadas devem ser as principais normas a serem observadas, pois nelas são feitas as referências à responsabilidade do auditor quanto à adequação das estimativas e informações obtidas, inclusive após a data das demonstrações contábeis.
Com impacto em suas atividades, os auditores também poderão passar por dificuldades práticas, como, por exemplo, locomoção de suas equipes e contatos com equipes localizadas em determinados países. Tais fatos devem ser levados em conta e, dependendo das circunstâncias, podem ser requeridos testes alternativos, complementares ou outras considerações.
Comunicações à administração ou reguladores devem ser efetuadas, dependendo de situações e dificuldades específicas.
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Este alerta não é um guia das normas técnicas que devem ser consultadas pelo profissional da contabilidade quando da preparação das demonstrações contábeis levantadas na data base de 31 de dezembro de 2019 e datas posteriores. As entidades devem também considerar orientações específicas e adicionais de outros órgãos reguladores nacionais e internacionais, se for o caso. O CFC poderá emitir orientações complementares no futuro, caso necessário.
Coordenadoria Técnica do CFC
Brasília, 09 de março de 2020