"Seguindo as mudanças e as novas tendências globais, torna-se necessário que as leis e as práticas judiciais envolvendo as atividades comerciais brasileiras ganhem maior atenção em razão de o setor comercial ser um dos principais potencializadores do desenvolvimento econômico e social de uma nação. Um ambiente de negócios favorável é imprescindível para o bom desempenho da economia, ao passo que garante condições propícias ao empreendedorismo e, consequentemente, à geração de emprego e renda da população, elevando os indicadores de qualidade de vida. Entre outros fatores, esse ambiente envolve ações de educação, capacitação, simplificação e desburocratização de processos e geração de oportunidades de negócios.
O Código Comercial brasileiro, aprovado pela Lei n.º 556, de 25 de junho de 1850, foi complementado pelo Decreto n.º 737, de 25 de novembro de 1850, cuja intenção inicial era estabelecer o trâmite das causas comerciais, mas acabou sendo utilizado para dar aplicabilidade à Lei n.º 556. Como o Código Civil foi implementado somente em 1916 (Lei n.° 3.071/1916), foram basicamente essas legislações – o Código Comercial, o Regulamento n.º 737 e a Lei Geral das Hipotecas (1864) – que respaldaram o Direito Privado durante esse período.
Dividido em quatro partes – Do comércio em geral, Do comércio marítimo, Das quebras, e um título único, Da administração da justiça nos negócios e causas comerciais –, o Código Comercial substituiu as chamadas Leis da Boa Razão, de 1769, e as Ordenações Filipinas. Como destaca Bentivoglio (2005)[i], o Código Comercial visava regulamentar a profissão de comerciante e estabelecer regras para atuação desses agentes, tendo como um de seus princípios a proteção dos interesses do comércio e dos comerciantes, motivo pelo qual se buscava a aprovação do projeto desde 1834. Ademais, o Código não só regulamentou as atividades comerciais e a profissão de comerciante, como estabeleceu garantias para a realização das operações comerciais e instituiu um aparato burocrático exclusivo para as causas mercantis, os tribunais e juízos comerciais.
Ao longo do tempo, o Código Comercial acabou sofrendo três derrogações por leis posteriores, além de ter se tornado incompatível com a realidade dos negócios. O novo Código Civil, que entrou em vigor em janeiro de 2003, revogou expressamente o seu antecessor de 1916 e, também, a primeira parte do Código Comercial, que trata do comércio geral. A Parte Terceira, que regulamentava o processo falimentar, foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 7.661/1945 – a Lei de Falências. Por fim, a parte referente à administração da justiça nos negócios e causas comerciais também foi revogada pelo Código de Processo Civil (Decreto-Lei n.º 1.608/1939). Apenas a segunda parte Código Comercial, que disciplina o comércio marítimo, ainda encontra-se em vigência.
Atualmente, as relações entre as empresas seguem o que dispõe o capítulo “Do direito da empresa”, do Código Civil. No entanto, conforme exposto na Constituição Federal de 1988 (Art. 22, I), o Direito Comercial é área distinta do Direito Civil. Assim sendo, não parece adequada a inexistência de uma legislação específica que discipline o ambiente comercial brasileiro, regulamentando as transações comerciais e trazendo mais segurança jurídica a essas relações.
Buscando adequar e modernizar o direito empresarial no País, encontra-se tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei de n.º 1.572/2011, que institui o novo Código Comercial, composto de 670 artigos que disciplinam, exclusivamente, a relação jurídica entre empresas. Seus principais objetivos podem ser sintetizados da seguinte forma: (i) reunir, em um único documento, os princípios e regras próprios do Direito Comercial; (ii) simplificar as normas sobre a atividade econômica, facilitando o cotidiano dos empresários brasileiros; (iii) conferir validade, eficácia e executividade à documentação eletrônica, possibilitando ao empresário eliminar toneladas de papel.
Apesar de existirem opiniões divergentes a esse respeito, de modo geral, a proposta é amplamente favorável ao ambiente de negócios brasileiro por visar à simplificação e ao aperfeiçoamento da legislação empresarial, aumentando a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. Vale mencionar que a última ação legislativa referente à tramitação desse Projeto de Lei foi em 4 de junho de 2018.
O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) vem acompanhando a tramitação desse projeto de lei desde o início. Além disso, apresentou uma proposta que sugere alterações em 21 artigos do capítulo V, que aborda “os deveres gerais dos empresários”. Mesmo considerando o texto moderno e com linguagem favorável ao mercado, o intuito do CFC é de contribuir para que o novo código respeite as regras já existentes, reconheça o papel normatizador da entidade e incorpore a modernização já alcançada pela Contabilidade. A proposta foi entregue ao presidente da Comissão Especial para Análise do Código, deputado Laércio Oliveira, e ao relator do projeto, deputado José Francisco Paes Landim, na 16ª edição do projeto Quintas do Saber, realizado no CFC em dezembro de 2015.
Entre as alterações propostas pelo CFC, vale destacar os artigos 68 e 82, que definem critérios acerca da escrituração e das demonstrações contábeis. Na redação original, os artigos dispõem que esses critérios seriam definidos conforme órgão indicado pelo Conselho, de acordo com o Art. 6º, f, do Decreto-Lei n.º 9.295/1946. Na proposta de alteração, a justificativa ressalta que, cabe ao próprio Conselho Federal de Contabilidade a expedição de normas sobre a escrituração contábil e não a órgão por ele designado. O artigo 58 também traz uma alteração relevante, que visa à atualização – a inserção de um parágrafo único que dispõe que toda informação originariamente documentada em papel pode ser conservada e guardada em meio eletrônico, desde que assegurada a fidedignidade com os documentos originais.
Como já vem sendo amplamente debatido, o ambiente de negócios brasileiro precisa urgentemente passar por modificações que descompliquem e desburocratizem os processos, estimulando o empreendedorismo, o investimento e o crescimento econômico. Por meio de algumas estatísticas, é possível verificar a premência dessas modificações. De acordo com o último relatório do Banco Mundial, Doing Business 2018, no quesito “facilidade em fazer negócios”, medido pelo Ease of doing business ranking, o Brasil aparece na 125ª posição, com uma pontuação de 56,4. Nova Zelândia, Singapura e Dinamarca lidaram o ranking, com pontuações acima de 84. No gráfico abaixo, é possível observar as posições assumidas pelo Brasil no ranking dos últimos dez anos. O ano de melhor desempenho foi o de 2016, em que o Brasil alcançou um score de 57,6.
Ease of doing business – posição do Brasil (2008-2018)
Fonte: Doing Business database/World Bank Group.
Vale mencionar que classificações mais altas desse índice indicam regulamentações melhores e, geralmente, mais simples para empresas, além de proteções mais fortes para os direitos de propriedade. Ademais, pesquisas empíricas conduzidas pelo Banco Mundial mostram que o impacto da melhoria dessas regulamentações é, de fato, positivo sobre crescimento econômico. Infelizmente, o excesso de burocracia e a lentidão nas reformas no âmbito microeconômico trazem ao Brasil uma posição historicamente baixa no ranking, atrás de países como Irã, Paraguai, Nepal e Namíbia.
Trazendo outras estatísticas apresentadas no relatório, no quesito “abertura de empresa”, o Brasil encontra-se na 176ª posição no ranking, com um score de 65,05. Essa avaliação inclui itens como tempo para abertura de um negócio, custo e capital mínimo integralizado. Quanto à “obtenção de alvarás de construção”, o Brasil encontra-se na 170ª posição entre os 190 países avaliados. Já no quesito “comércio internacional”, cujos itens avaliados se referem ao tempo e ao custo para importar e exportar, o País ocupa a 139ª posição no ranking.
Diante dessas estatísticas, percebe-se o quanto é urgente e necessária a aprovação de um novo Código Comercial que, de fato, contribua para a melhoria do ambiente de negócios. Como se sabe, no âmbito do Direito, os códigos estabelecem e sistematizam normas das relações econômicas e sociais de diversos setores, mas, indo além desse pressuposto, os códigos são fortes instrumentos dos quais emanam conceitos e valores que são fundamentais para a vida em sociedade.
Com todas as transformações e os avanços ocorridos nos últimos anos, é indiscutível a necessidade de se terem legislações que acompanhem a modernidade. Além disso, diante de uma rede crescente e cada vez mais diversa e complexa de operações comerciais realizadas todos os dias, inclusive em âmbito internacional, é imprescindível a existência de normas e tratamentos especializados que lidem com as mais diversas relações. Nesse sentido, um novo Código Comercial, mais simples e moderno, poderá contribuir, significativamente, para o crescimento econômico e o desenvolvimento do Brasil."
[i] BENTIVOGLIO, Julio. Elaboração e aprovação do Código Comercial Brasileiro de 1850: debates parlamentares e conjuntura econômica (1840-1850). Justiça & História, Porto Alegre, v. 5, n. 10, 2005.