Reportagem: Karin Oliveira e Adriana Magalhães
Em reunião realizada na última segunda-feira, dia 27, integrantes do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) estiveram reunidos com representantes da Receita Federal do Brasil (RFB), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) e empresas de software para discutir o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas - o eSocial.
O CFC tem participado ativamente das discussões sobre o Projeto SPED, incluindo o eSocial, contribuindo com sugestões de melhorias e simplificação do sistema, além de relatar problemas surgidos nos processos que envolvem diversos grupos de empresas e suas fases de implementação. Dentre as reivindicações destaca-se a recepção de arquivos pela RFB e Serpro, a unificação de eventos, a desativação dos sistemas legados, contingências e outras simplificações de processo.
Além dos problemas que vêm sendo enfrentados até agora pelas empresas e organizações contábeis, especialmente a partir de janeiro de 2019, os participantes da reunião expressaram uma preocupação maior ainda em função da entrada das empresas do Simples Nacional no eSocial, o que deve ocorrer a partir de julho. Uma nova reunião foi agendada para o dia 4 de julho, para monitorar as melhorias.
O CRCPR Online realizou uma entrevista exclusiva com a vice-presidente de Desenvolvimento Profissional do CFC, Lucélia Lecheta, que vem acompanhando de perto o assunto e abriu a reunião em questão com uma apresentação sobre as dificuldades que as organizações contábeis vêm enfrentando para atender às exigências do eSocial.
CRCPR Online: Qual a situação atual do eSocial e como foi a concepção da última reunião realizada pelo CFC em que se encontraram Receita Federal, Serpro, Fenacon e empresas de softwares?
Lucélia Lecheta: De fevereiro para cá, que foi quando a gente começou a ter que entregar um monte de folhas [de pagamento] pelo eSocial, começamos a enfrentar um monte de travamentos. Chegava o começo do mês e o sistema dava um monte de erros. Até que em maio essa situação se complicou bastante: durante quase uma semana o Serpro não conseguia validar dados.
Expusemos a situação atual do eSocial para o presidente do CFC, Zulmir Breda, e decidimos chamar o Altemir [Linhares de Melo, chefe da Assessoria Especial para Cooperação e Integração Fiscal da RFB e membro do Comitê Gestor do eSocial]. Por meio de um ofício, solicitamos que ele nos ajudasse a trazer também o pessoal do Serpro, já que em contatos anteriores, ao relatarmos os problemas que vinham se apresentando, ele identificou que seriam aspectos técnicos da alçada do Serpro.
Assim que a reunião foi agendada, convidamos todas as empresas de software que a gente conhece e que estimamos que atendam cerca de 80% dos escritórios de contabilidade em todo o país, pois elas estão enfrentando as mesmas dificuldades.
CRCPR Online: O que foi discutido nesta reunião?
Lucélia Lecheta: Nessa reunião, tratamos, em um primeiro momento, do problema da lentidão na entrega, que acontece especialmente no começo do mês. Embora especialmente em maio, nos dias 21 e 22, tenham ocorrido momentos em que o sistema não funcionou. Expusemos, então, os problemas que a gente está vivenciando e que vários escritórios realizarem investimentos muito altos em tecnologia para tentar suprir estas questões.
Para explicar o motivo dessa necessidade de uma maneira bem simples: ao realizarmos o envio de informações ao eSocial das empresas obrigadas, o servidor do escritório de contabilidade abre uma “porta” e fica o dia inteiro transmitindo dados para o eSocial – faço o registro de um empregado, vai uma transmissão; faço uma rescisão, vai outra transmissão. E no início do mês, temos que enviar todos os fechamentos de folhas [de pagamento] para o ambiente do eSocial, por meio dos sistemas do Serpro.
O que está acontecendo é que nesses dias o sistema congestiona, porque tem muita gente tentando transmitir dados ao mesmo tempo. Quando isso acontece, eu transmito a minha informação e ela volta para o meu banco de dados sem a validação do Serpro. Aí o meu servidor fica tentando transmitir novamente e cria-se um looping, o que acaba causando lentidão nos computadores de todos os escritórios.
Enquanto os computadores estão tentando fazer essas transmissões, a capacidade de processamento fica sendo utilizada, comprometendo o funcionamento de outros sistemas dentro dos escritórios contábeis. Imagine essa situação bem no começo do mês, quando os contadores estão importando notas fiscais, gerando lançamentos contábeis, e essa demanda atípica acaba gerando travamento de servidores. Além disto, ficamos angustiados de tentar transmitir esses dados da folha, sabendo que o prazo é até dia 7, e não sabermos se será possível entregar ou não, porque o sistema fica dando erro em cima de erro.
O que fizemos foi levar essa situação para a Receita e o Serpro e chamamos as empresas de software, porque elas estão com a mesma dificuldade, já que a primeira coisa que o contador faz quando aparecem esses problemas técnicos é ligar para a empresa que fornece a interface. A empresa de software, por sua vez, fica tentando descobrir se é um problema com aquela versão, por exemplo, ou com o Serpro. Então você imagina: todo mundo ligando para o fornecedor e para o Serpro, congestionando tudo.
As empresas de software nos ajudam muito e a participação delas nessa reunião foi muito importante, porque elas apresentaram dados técnicos específicos para o Serpro, constatou que os códigos de erros que elas apresentaram tinham realmente a ver com falhas de processamento deles.
Adicionalmente, solicitamos a alteração do recibo de entrega do eSocial, que hoje em dia vem no formato xml. Então, eu mando o arquivo, por exemplo, da folha [de pagamento], e retorna um monte de xml, como ocorre com a Nota Fiscal Eletrônica. Só que quando você abre, as informações estão codificadas, impossibilitando a compreensão. Isso nos causa uma série de dificuldades, porque ninguém consegue analisar aqueles xmls para verificar se todas as informações enviadas estão efetivamente lá. O que queremos é que o sistema nos retorne um recibo em PDF, como acontece, por exemplo, com a Escrituração Contábil Digital (ECD). Um recibo em que a gente consiga ler e constatar que a informação foi efetivamente transmitida. Isso vai requerer uma alteração significativa, mas eles se comprometeram a fazer, porque realmente entendem que é necessária.
CRCPR Online: As empresas de software e CFC fizeram outros pedidos à RFB e Serpro?
Lucélia Lecheta: Sim, as empresas também requisitaram um sistema de contingência. Hoje só há contingência manual, pelo portal. O pedido é para que seja um sistema automático que se assemelhe ao sistema da Nota Fiscal Eletrônica: se não for possível transmitir, os dados ficam retidos offline e depois, quando possível, os dados são transmitidos, sem mais interferência dos escritórios de contabilidade ou das empresas de software.
Outro pedido nosso é sobre a possibilidade de buscar e baixar arquivos entregues. Hoje, temos uma possibilidade nas escriturações, tanto contábil quanto digital, que se chama Receitanet BX. Neste, consigo baixar uma cópia do arquivo que já entreguei anteriormente. A ideia é que tenhamos a mesma funcionalidade para o eSocial.
CRCPR Online: Qual foi o resultado desta reunião?
Lucélia Lecheta: A reunião foi muito boa. As empresas de software apresentaram exatamente os mesmos problemas que nós, contadores, estamos enfrentando, mas de uma maneira técnica. Ou seja: nós unimos forças!
O que nós pedimos, exatamente, é que eles [Receita e Serpro] nos deem condições de entregar esses arquivos de forma rápida e eficiente, e que se não houver condições de nos atender até o próximo dia 7, que eles alterem esse prazo. Então, ficou estabelecida uma promessa de que eles vão mudar o prazo de entrega da maioria dos arquivos para o dia 15. Segundo o representante da Receita, as exceções serão os lançamentos de Admissão e Demissão. Isto porque, segundo a legislação trabalhista, no caso da Admissão, você tem que informar no sistema antes da pessoa efetivamente começar a trabalhar – o princípio da anterioridade – e a Demissão, necessita de um prazo de dez dias. Então, esses dois eventos do eSocial devem permanecer como estão. Todos os demais eventos, segundo a promessa da Receita, devem mudar para o dia 15.
Isso já nos ajuda porque vamos ter um prazo maior para transmitir esses dados. É importante destacar que essa mudança não vai mudar absolutamente nada para o trabalhador. Não vai mudar a data de pagamento de salário, enfim, não tem nenhuma alteração nesse sentido, porque as folhas de pagamento vão continuar sendo fechadas no prazo estabelecido pela legislação trabalhista. A única coisa que muda é que haverá um prazo maior para a transmissão desses dados para o eSocial.
Entendemos que esse alongamento do prazo de transmissão, por si só, já vai aliviar os problemas, pois diminui o uso do sistema por todos os escritórios em um curto período de dias. Teremos uma semana a mais, pelo menos, para administrar a transmissão desses dados.
Ainda não foi publicada resolução sobre esta alteração de prazo, pois ela depende de documentação e aprovação de todos os envolvidos no eSocial. A RFB lembrou que utiliza apenas 10% dos dados do eSocial. Os outros 90% são utilizados por outras instituições, como por exemplo o Ministério do Trabalho, Saúde e Caixa. Então, são muitas entidades envolvidas, que precisam aprovar, para então ser publicada resolução a respeito.
CRCPR Online: Como o CFC posiciona-se sobre o eSocial?
Lucélia Lecheta: Deixamos bem claro: absolutamente ninguém [entre as entidades e empresas participantes da reunião] é contra o eSocial. Reconhecemos que é uma importante mudança de cultura nas empresas, mas é preciso que o Serpro nos dê condições efetivas de conseguirmos transmitir esses dados de forma eficiente. Não estamos dizendo que tem que voltar atrás. Até porque tanto os escritórios contábeis, quando as empresas de software, investiram para atender o eSocial. Mas queremos ser atendidos a contento, que simplifiquem o formato de entrega e de recibo.
O Comitê Gestor do eSocial e o Grupo de Trabalho (GT) Confederativo, dos quais o CFC faz parte, tem trabalhado desde o começo dos testes e implementações do eSocial. O GT Confederativo apontou 250 pontos de melhoria, abordando os principais problemas que vêm sendo encontrados, agrupados em 81 itens, que foram enviados para apreciação do governo federal.
Esta reunião não é uma iniciativa isolada. Ela foi originada porque o grande trabalho que estava sendo feito, não estava sendo suficiente para que as coisas andassem. Erros aconteceram nos últimos meses e em maio intensificaram-se. Então esta reunião foi uma ação mais estratégica.
Outra coisa, no país tem se falado muito em economia e simplificação de processos, porém o eSocial não tem apostado nisto, nem para os escritórios de contabilidade, nem para as empresas de software. Por enquanto, o eSocial tem sido um fator gerador de custo e não de simplificação. Entendemos as fases de adaptação, mas em nenhuma outra etapa do SPRED, a gente sofreu como estamos sofrendo agora. É um processo muito moroso.
Estamos entregando o eSocial e continuamos entregando todas as nossas outras obrigações. Nenhuma obrigação foi extinta. Então, houve um pedido do CFC para que sejam revistas e extintas as demais obrigações, principalmente a Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Se não, estamos trabalhando duas vezes, mas em sistemas diferentes.
CRCPR Online: Como a RFB posicionou-se sobre as multas que têm sendo aplicadas?
Lucélia Lecheta: É importante deixar claro que existe a previsão legal das multas, mas elas não estão efetivamente sendo aplicadas pela Receita. O temor é que haja uma falha do sistema em receber os nossos arquivos e lá na frente comecem a aparecer multas. O que os seus representantes estão dando a entender para nós é que por enquanto não vão ser aplicadas multas, mas isso não está escrito, nem oficializado em lugar nenhum.
Reforço que ainda não aconteceu nenhum tipo de notificação. O que foi conversado na reunião é que até a próxima reunião desse grupo (4 de julho), isso também não vai acontecer. Mas isso está apenas em ata. Ainda não está explicitado em nenhum documento oficial. Então ficou acertado que nesse próximo encontro a Receita vai nos apresentar alguma ideia de normatização quanto a isto.
O problema é que ninguém sabe exatamente quando todo esse problema técnico vai estar resolvido, para a Receita poder estipular um prazo para a isenção de multas. Sabemos dessa dificuldade e estamos muito atentos a isso, cobrando que a Receita se mantenha comprometida de que as multas por atraso na entrega ocasionadas exclusivamente por falhas de processamento do sistema do eSocial não sejam aplicadas nesse período.
É importante que todos os profissionais contábeis estejam bem cientes disso, pois quaisquer outras falhas que ocasionarem atrasos, que não estejam relacionadas à falta de capacidade do sistema do Serpro de recepcionar os arquivos, estas sim são passíveis de gerar multas.
CRCPR Online: Quais outros assuntos e novidades foram discutidos na reunião?
Lucélia Lecheta: Na discussão, as empresas de software pediram um outro item que vai ajudar também todos os contadores. Hoje existe no Serpro um telefone “0800” que é um varejão. Quando ocorre um problema, os funcionários dos escritórios de contabilidade e as empresas de software começam a ligar no Serpro. Todo mundo no mesmo canal.
Então, as empresas de software estão solicitando que este “0800” seja exclusivo dos contadores para tirar dúvidas e resolver outros tipos de problema, e que haja um canal exclusivo para as empresas de software, para que entrem em contato direto com a área técnica do Serpro. Assim, quando uma das empresas consegue resolver com o Serpro, ela usa seus canais de comunicação para transmitir o que precisa ser feito para todas as demais, e libera os contadores de se envolver com esse tipo de questão técnica.
CRCPR Online: Por que a próxima reunião será só no dia 4 de julho?
Lucélia Lecheta: Porque ao longo do mês de junho haverá dois grandes eventos internos da Receita Federal. Um que vai reunir todos os técnicos durante alguns dias em Belo Horizonte para discutir todos os processos do eSocial, e outro, que reunirá o Comitê Gestor do eSocial para validar o trabalho dos técnicos durante o encontro anterior. Por isso, a própria Receita solicitou que a reunião fosse depois desses dois eventos, para que possam efetivamente trazer respostas a esses pontos apontados por nós. Prometeram que esses problemas observados até o momento não se repetirão na entrega de dados de junho, mas estaremos atentos. Vamos avaliar no início de junho, em que temos que enviar os dados de folha de pagamento, se os itens que tínhamos alertado anteriormente foram corrigidos.
Um exemplo é a questão da procuração eletrônica. O contador assina em nome do cliente por procuração. Em dado momento, ocorre uma atualização do eSocial e a procuração passa a não mais ser aceita e o sistema exige que se use o certificado digital de cada cliente. O contador não fica com o certificado do cliente. Isso seria uma temeridade! Então se faz uma procuração específica para o envio do eSocial. Esse problema já aconteceu várias vezes nos últimos tempos, quando sai uma nova versão. Aí eles vão lá e consertam, mas até perceberem isso, a gente fica aqui sem conseguir entregar, porque teria que pegar o certificado de cada cliente.
CRCPR Online: Como estão as discussões sobre a implementação do eSocial para as empresas do Simples Nacional?
Lucélia Lecheta: Até agora, temos cerca de 103 mil empresas entregando o eSocial. A previsão é que, a partir de julho, as 11 milhões de empresas do Simples Nacional, das quais 5 milhões tem funcionários (dados RFB), também iniciem a entrega de folha [de pagamento]. Será um grande aumento e em menos de dois meses.
O eSocial do Simples Nacional é igual o de uma empresa grande, os eventos são os mesmos. A legislação trabalhista nunca foi atualizada de forma que as empresas do Simples Nacional tivessem uma simplificação de processos. Nosso posicionamento para a RFB é de que é necessário estabilizar e consertar o que ocorreu até agora, para depois evoluir e realizar uma faseamento de implementação para o Simples Nacional. Porque se tentarem incluir o Simples Nacional agora, pode não dar certo.
Não é um problema dos escritórios de contabilidade e sim da falta de capacidade de inserção destes arquivos e do formato que eles foram concebidos.
CRCPR Online: Quais os próximos passos do CFC sobre o tema?
Lucélia Lecheta: Continuaremos fazendo um acompanhamento periódico junto à RFB e Serpro, cobrando a realização do que foi prometido na última reunião. Posteriormente, nova reunião será realizada no dia 4 de julho, com a finalidade de se buscar uma avaliação nos progressos e, além disso, debater com as empresas e a classe contábil novos avanços para a melhoria do eSocial.